Em um recente artigo para o site Game Industry, o editor Christopher Dring entrevistou David Anfossi, chefe da Eidos Montreal, que falou sobre os desafios de se criar jogos single-player na atual conjuntura do mercado, onde temos visto uma convergência para os jogos online multiplayer.
No post, Dring afirma que a crença atual da indústria é que os games single player com foco em narrativas estão morrendo, pelo menos no que se refere aos games triple-A. Anfossi compreende isso e ainda complementa dizendo que o público cativo dos games single-player pode estar envelhecendo, e por isso sua disponibilidade para se engajar em uma longa experiência single-player pode estar diminuindo. Ora, e isso faz bastante sentido, uma vez que ao chegarmos na fase adulta todos nós nos deparamos com novas responsabilidades e nossa capacidade de nos entregarmos a longas histórias imersivas sofre um declínio.
O último exemplo disso foi o jogo Deus Ex: Makind Divided, do próprio estúdio. Um sucesso de crítica, mas que porém não foi tão bem comercialmente. Há algumas ressalvas, é claro, como o último God of War. Porém este game foi uma exceção, e não a regra, o que prova que é muito mais difícil monetizar um game single player, em comparação a uma experiência social com múltiplos jogadores.
“É uma questão de tendências talvez, ou momento, ou timing”, Anfossi pondera. “Todo ano há uma nova tendência. No momento, é o Fortnite – que é um ótimo jogo – e toda a atenção está voltada para esse tipo de jogo. Mas temos que esperar.”
Anfossi acredita que as experiências narrativas estão passando por uma mudança geracional, especialmente para as pessoas com 25 anos ou mais. Ele cita God of War como um ótimo exemplo de experiência de um jogador, mas lamenta que talvez não tenha tempo de completá-lo. “Quando você começa uma experiência baseada em história você quer ver a conclusão. Então tem que se adaptar e experimentar novos modelos.”
“Todo ano há uma nova tendência. No momento, é o Fortnite – que é um ótimo jogo – e toda a atenção está voltada para esse tipo de jogo. Mas temos que esperar.”
“Por exemplo – e esta é apenas a minha opinião, não estou me comprometendo com nada – digamos que desenvolvamos uma narrativa muito boa, com um universo complexo e personagens fortes. Você inicia o jogo e depois o completa em três horas. Isso custa US$30. E só. Talvez essa seja a maneira de continuar com os jogos guiados por histórias. Você traz uma experiência forte, certifica-se de que o público está interessado nela e que eles podem realmente concluí-la.”, complementa Anfossi.
Ainda que sua paixão sejam os games single-player, Anfossi afirmou no site da Eidos Montreal que a empresa vai “colocar uma ênfase adicional nas experiências online em nossos jogos”.
“Precisamos tentar coisas novas, experimentar coisas e aprender”, explica Anfossi. “Queremos construir uma forte tecnologia on-line. Estamos fazendo testes, estamos aprendendo e estamos trabalhando para aplicar isso em nossos jogos, mas temos que ter cuidado com os fãs. On-line não precisa significar multijogador. Até poderia, mas também poderia ser algo diferente, pode ser uma experiência de jogador único, mas online.”
O editor cita uma coluna de Rob Fahey para o Game Industry, em que ele afirma que usar empresas como Nintendo e Sony, que continuam a ter sucesso em projetos single player, como modelos a serem seguidos nem sempre é uma opção sensata. Essas são empresas detentoras de plataformas e possuem múltiplos fluxos de receita. God of War quase certamente ganhava dinheiro para a PlayStation, mas mesmo que assim não fosse ele ainda teria trazido consumidores para o sistema, que então gastariam dinheiro em outros produtos PlayStation. Os varejistas chamam essa estratégia de loss-leading, onde eles obtêm sucesso em uma área, às vezes vendendo um produto abaixo do preço de mercado, para estimular as vendas no contexto geral.
A Eidos Montreal, porém, é obrigada a fornecer receitas para a Square Enix. Portanto, quanta liberdade eles têm quando se trata de equipes experimentais e testes de novos modelos de negócios?
“Shadow of the Tomb Raider, e outros jogos single-player AAA, custam de US$ 75 milhões a US$ 100 milhões”, admite Anfossi. “E isso é apenas a parte de produção; é perto de US$ 35 milhões o custo de marketing. Portanto, há definitivamente uma pressão. Não podemos evitá-la. Mas, ao mesmo tempo, para termos esses projetos de incubação e experimentar pequenas coisas … isso nos dá a oportunidade de testar, preparar e assegurar algumas coisas, e remover alguns riscos.”
Dring e Anfossi discutem então o game Hellblade. O impressionante jogo de jogador único de Ninja Theory, que gerou uma receita decente, foi incrível, ganhou inúmeros prêmios e foi feito com um orçamento relativamente pequeno. “É incrível. Estou jogando no momento”, diz Anfossi. “É exatamente o que dissemos antes sobre tentar mudar o modelo de negócios. Acredito que são seis horas de jogo. É muito cinematográfico, é centrado no personagem, é uma boa experiência que eu gosto muito. Acredito que eles desenvolveram esse modelo.” jogo com cerca de 20 desenvolvedores. Então eu comecei a estudá-lo, porque para mim é uma nova abordagem interessante, e o resultado é ótimo. É definitivamente uma boa maneira de segurar as gerações mais antigas de fãs de jogos baseados em histórias. “
“Shadow of the Tomb Raider, e outros jogos single-player AAA, custam de US$ 75 milhões a US$ 100 milhões. “E isso é apenas a parte de produção; é perto de US$ 35 milhões o custo de marketing.”
A Eidos Montreal está procurando contratar um grande número de novos funcionários, e isso é devido à experimentação e ao desenvolvimento tecnológico que a empresa está realizando. O estúdio criou um departamento de IA e aprendizado de máquina, contratou cientistas e analistas de dados e reestruturou seu grupo de tecnologia para “estar preparado para novas plataformas”.
“Eu prefiro ser proativo ao invés de reativo”, explica Anfossi. “Para lhe dar um exemplo no campo da IA: no momento, para criar uma boa experiência, você tem que criar 100 arquétipos diferentes. O trabalho que estamos fazendo no momento é tentar mudar isso, para criar apenas uma IA e educá-la para reagir ao estilo do jogador. É uma maneira diferente de abordar o desenvolvimento e, ao fazê-lo, seremos mais eficientes e acredito que será menos caro fazer jogos. Mas a experiência será muito melhor. “
O chefe da Eidos Montreal está cheio de outros produtos de nicho – jogos como Deus Ex e Thief. Como resultado, apesar de seu tamanho (no momento com mais de 500 funcionários, a maior equipe da Square Enix), a desenvolvedora não é tão famosa quanto a sua irmã, a Crystal Dynamics. Isso pode estar prestes a mudar com Shadow of the Tomb Raider, a maior propriedade intelectual da Square no ocidente. Apesar da Eidos ter trabalhado em todos os jogos pós reboot da série, isso ocorreu como um suporte, com a Crystal Dynamics tomando a liderança no desenvolvimento. Não é o caso dessa vez.
“Começamos este jogo juntos”, diz Anfossi. “Começamos no final de 2015 quando eles estavam entregando Rise of the Tomb Raider. Então houve essa transição no começo, onde estávamos trabalhando juntos. Depois disso, foi uma questão de timing. Eles começaram a se concentrar em The Avengers, então continuamos juntos com Shadow of the Tomb Raider e desenvolvemos o jogo principalmente em Montreal e também em colaboração com a Crystal no The Avengers.
Anfossi cita então as dificuldades de se trabalhar com equipes tão distantes fisicamente e culturalmente: “colaboração à distância, duas maneiras diferentes de desenvolver games, dois estúdios com culturas diferentes… Nunca é fácil. Até mesmo aqui na Eidos Montreal, nós temos dois andares no prédio e até isso cria uma distância entre a equipe que trabalha junta. Nunca é fácil, mas nós desenvolvemos processos para minimizar esses problemas.”
Considerando que Shadow of the Tomb Raider é o capítulo final de uma série de reboot de três partes – com os dois primeiros jogos sendo criados por um grupo diferente – certamente deve haver uma luta entre a necessidade de seguir um modelo estabelecido pela equipe anterior, e o desejo de romper com a convenção. Anfossi diz que fazer parte dos dois títulos anteriores significa que a Eidos Montreal entende os principais pilares da marca e sabe o que pode (e não deve) fazer.
“Como fizemos com Deus Ex e Thief, a primeira coisa a fazer antes mesmo de começar a concepção é entender a essência de uma franquia. Mas depois disso … somos pessoas criativas. Não queremos apenas copiar e colar o que já foi feito antes. Temos que ser respeitosos com os dois jogos anteriores. Temos que fechar essa história de Lara Croft. Então não há dúvidas sobre a continuidade.
“Dito isso, a forma como construímos os ambientes e o mundo em torno de Lara é muito, muito, uma assinatura da Eidos Montreal. Desenvolvemos muitos conhecimentos sobre como transformar o ambiente, o personagem, a iluminação ou a música convergindo para alguma coisa. Você não vê, mas o seu subconsciente vai sentir isso. Isso é algo que aprendemos com Deus Ex. Bastante. E é algo que estamos aplicando em Shadow. Definitivamente há a nossa assinatura nisso.”
Para concluir, Dring afirma que a Eidos Montreal está trabalhando em Tomb Raider, The Avengers e em outro projeto ainda não anunciado. Considerando a crença de Anfossi na personalidade da desenvolvedora, Dring indaga quando poderemos esperar um projeto totalmente original das equipes.
“Tenho pensado nisso há dez anos, na verdade”, conclui Anfossi. “Eu sei por experiência que é muito, muito difícil desenvolver um novo IP. Temos que ser muito humildes sobre isso. Para mim, como para todo projeto atualmente, você precisa encontrar o talento certo, com experiência suficiente para lidar com isso. Mas também ser capaz de trabalhar em conjunto. É um desafio muito grande, mas eu definitivamente gostaria de, em algum momento, tentar criar um novo universo.”
Fonte: Game Industry