Aristarco

Desde a pré-história, a contemplação do céu e a observação do movimento do sol e das fases da lua sempre foi uma atividade realizada por diversos povos. Com o passar do tempo, percebeu-se que os movimentos desses astros eram cíclicos, e que estes influenciavam a vida cotidiana dessas populações. Os ciclos lunares e as estações do ano influenciavam coisas triviais como as colheitas e jornadas de trabalho, mas também questões espirituais, como crenças e religiões.

Ascensão do pensamento racional na Grécia

A partir do século V a.C., temos na Grécia um grande centro de desenvolvimento em diversas áreas do conhecimento. Através do emprego da racionalidade, áreas como a filosofia, a medicina, a história e claro, a astronomia, se expandiram enormemente. Ainda que os gregos acreditassem nos mitos e nas vontades dos deuses, foi a partir desse momento que a racionalidade encontrou terreno fértil para se propagar. A sociedade grega passou a buscar explicações lógicas para os fenômenos da natureza, e a partir do momento em que a astronomia também passou a ser objeto de investigação, o emprego da matemática se fez necessário, uma vez que esta era de fundamental importância para o estudo dos movimentos dos astros.

Tales de Mileto

Nessa época já havia uma intensa troca comercial e cultural entre os povos do mediterrâneo, e por causa disso muitos dos conhecimentos das sociedades do crescente fértil foram incorporados pelos gregos. Um dos estudiosos no campo da astronomia mais conhecidos dessa época foi Tales de Mileto, comerciante e viajante que teve contato com as culturas do Egito e da Mesopotâmia, e que por meio de estudos e deduções, conseguiu prever um eclipse solar em 585 a.C.

Calculando distâncias

Os astrônomos gregos se dedicavam ao estudo da centralidade do universo, e uma de suas realizações mais admiráveis foi a mensuração do tamanho da Terra, do Sol e da Lua, bem como as distâncias da Terra até o Sol e à Lua. A teoria do universo geocêntrico, em que a Terra seria o centro do universo, era o modelo cosmológico mais antigo, e na Antiguidade, raramente alguém discordava dessa visão. Entre os filósofos que defendiam esse modelo, o mais conhecido era Aristóteles.

“Figura dos corpos celestes”, uma ilustração iluminada da concepção Ptolemaica do universo de “Cosmographia”, de Bartolomeu Velho, 1568. O texto mais externo diz: “O império celestial, a morada de Deus e de todos os eleitos”

Foi o matemático e astrônomo grego de Alexandria, Ptolemeu (90-168 d.C.) que, na sua obra “Almagesto”, deu a forma final a esta teoria, que se baseia na hipótese de que o planeta Terra estaria fixo no centro do Universo com os corpos celestes, inclusive o Sol, girando ao seu redor.

Por estudos e observações, os gregos deduziram que a Lua deveria estar mais próxima da Terra do que do sol. Este fator é fácil de se observar: a lua tem suas fases – nova, crescente, cheia e minguante – que são bastante visíveis. Caso a Lua estivesse mais próxima do sol do que da Terra, ela se apresentaria sempre no formato de lua cheia, ou o mais próximo disso, concluíram. Além dos cálculos e dos estudos sobre Terra, Sol e Lua, seus volumes e distâncias, atribui-se aos gregos antigos o conhecimento e a nomeação de muitas constelações do hemisfério norte.

Aristarco

A proeza dos gregos no campo da astronomia se deveu, não pela acurácia dos dados obtidos, uma vez que as observações se basearam em cálculos grosseiros demais para se chegar a distâncias exatas, mas principalmente por ter sido a primeira vez que se usava conceitos matemáticos corretamente para se chegar a conclusões quantitativas sobre a natureza do mundo. Para isso, foi fundamental entender em primeiro lugar a natureza dos eclipses solares e lunares e descobrir que a Terra é redonda. E um dos exemplos mais impressionantes da aplicação da matemática à ciência natural no mundo antigo está na obra de Aristarco de Samos.

Aristarco nasceu por volta de 310 a.C. na ilha jônica de Samos, foi discípulo de Estratão de Lâmpsaco, o terceiro diretor do Liceu em Atenas (a academia fundada por Aristóteles), e depois trabalhou em Alexandria, até sua morte por volta de 230 a.C. Aristarco era um astrônomo e matemático e apresentou o primeiro modelo heliocêntrico conhecido, colocando então o Sol no centro do universo, com a Terra girando em torno dele.

Ele foi influenciado por Filolau de Crotona. Filolau foi o primeiro pensador a atribuir movimento à Terra. Ele propôs um sistema no qual a Terra girava em torno de um “Fogo Central”, que não era o Sol e que não podia ser visto porque ficava sempre do lado oposto ao lado habitado da Terra. Aristarco, contudo, identificou o “fogo central” como o Sol e colocou os outros planetas na ordem correta de distância ao redor do Sol. Como Anaxágoras antes dele, ele suspeitava que as estrelas fossem apenas outros corpos como o Sol, embora ainda mais distantes da Terra. Suas idéias astronômicas eram frequentemente rejeitadas em favor das teorias geocêntricas de Aristóteles e Ptolemeu. Ainda assim, as reações contra sua teoria não chegaram a ser tão hostis quanto as que assombrariam Copérnico, Kepler e Galileu alguns milênios depois.

Infelizmente, os escritos de Aristarco sobre esse tema foram perdidos na destruição da Biblioteca de Alexandria, restando apenas citações sobre sua teoria nos trabalhos de Plutarco e Arquimedes. Porém, outro trabalho seu de igual relevância foi preservado.

Em sua obra sobre os tamanhos e as distâncias do Sol e da Lua, Aristarco procurou determinar a distância da Terra à Lua em relação à distância da Terra ao Sol, considerando o triângulo formado por esses três astros no início do quarto crescente.

Aristarco concluiu que o Sol estaria 20 vezes mais distante da Terra que da Lua. Embora a proporção verdadeira seja cerca de 400 vezes, o procedimento utilizado estava correto. Os instrumentos de medição de ângulos então disponíveis é que não permitiam obter valores mais precisos.

Aristarco também procurou calcular o diâmetro da Lua em relação ao da Terra, baseando-se na sombra projetada pelo nosso planeta durante um eclipse lunar. Ao observar a Lua movendo-se através da sombra da Terra, durante um eclipse lunar de grande duração, Aristarco percebeu que o tempo que a sombra da Terra demorava para ocultar a Lua era, aproximadamente, a metade do tempo que durava o eclipse total da Lua. Concluiu que a Lua tinha um diâmetro três vezes menor que o da Terra (o valor correto é 3,7). Com esse dado, deduziu que o diâmetro solar era 20 vezes maior que o da Lua e cerca de 7 vezes maior que o da Terra.

Cópia grega do século X dos cálculos de Aristarco de Samos, no século II a.C., dos tamanhos relativos do Sol, da Lua e da Terra.

Aperfeiçoando as medições ao longo dos últimos séculos, sabemos hoje que o diâmetro terrestre não alcança um centésimo do solar. Na época de sua obra, não se conhecia a trigonometria, de modo que Aristarco teve de proceder por complexas construções geométricas para chegar a esses valores. Hoje, usando a trigonometria, chegaríamos a resultados mais precisos. Embora os seus resultados tivessem erros de uma ordem de grandeza, o problema residia mais na falta de precisão dos seus instrumentos do que no seu método de trabalho, que era adequado.

Sobre seu modelo cosmológico, a astronomia teve que esperar mais de 2000 anos até que ele fosse revivido por Nicolau Copérnico, a pessoa a quem comumente se atribui a teoria heliocêntrica. Suspeita-se porém, que Copérnico tenha obtido pelo menos algumas pistas para sua teoria através da leitura de Aristarco, pois num manuscrito Copérnico faz referência a Aristarco, entretanto na versão final ele suprime a citação.


Referências:

Aristarco de Samos. Só Matemática

Biografias: Aristarco de Samos. Uol Educação

WEINBERG, Steven. PARA EXPLICAR O MUNDO: A DESCOBERTA DA CIÊNCIA MODERNA; tradução Denise Bottmann – 1ª edição – Companhia das Letras, 2015

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