O Primeiro Filósofo

Em nosso post inaugural sobre os cientistas da história, partindo da premissa de que todas as coisas têm um princípio, questionamos quando a ciência havia surgido, e por quê. A essa indagação, dissemos que a ciência havia surgido como uma tentativa de encontrar as respostas para os questionamentos humanos da época. Logo, a ciência foi, desde o início, uma produção humana, não existindo por si só.

Pois bem. Antes de atingir a definição que damos atualmente à ciência, esse processo de desenvolvimento de um pensamento mais racional começou a ganhar contornos na Grécia Antiga, por volta do século VI a.C. Naquela época, a explicação corrente para a existência do cosmos se dava pela mitologia e pelos deuses, e essa crença era generalizada nas mais diversas culturas.

“O pensamento mítico está muito ligado à magia e ao desejo de que as coisas aconteçam de um determinado modo. A partir dele desenvolveram-se os rituais, como técnicas de obter os acontecimentos desejados. O ritual é o mito em ação. Já nas cavernas de Lascaux e Altamira, o homem do Paleolítico (12.000 a.C. a 5.000 a.C.) desenhava os animais – com um estilo muito realista, diga-se de passagem – e depois os atacava com flechas, para garantir o êxito da caçada…

O mito tem funções determinadas nas sociedades antigas e primitivas. Inicialmente, ele serve para acomodar e tranquilizar o homem num mundo perigoso e assustador, dando-lhe segurança. O que acontece no mundo natural passa a depender, através de suas ações mágicas, dos atos humanos.

Outra característica do mito é a de apresentar-se como uma verdade que não precisa ser provada e que não admite contestação. A sua aceitação decorre da fé e da crença. Não é uma aceitação racional, fundamentada em provas e raciocínios. […]” (Uol Educação, Mitologia)

Eis que, no século VI a.C. uma pessoa rompeu com esse pensamento, e com ele, inaugurava-se uma nova forma de abordar os fenômenos naturais, buscando fundamentar uma causa que pudesse explicar a origem de todas as coisas, não mais baseada nos propósitos dos deuses e das religiões, mas através da observação racional. Seu nome era Tales, também conhecido como Tales de Mileto.

Origem

Tales de Mileto – Fundador da Escola Jônica

Tales de Mileto foi um matemático, engenheiro, mercador e astrônomo da Grécia Antiga. De ascendência fenícia, nasceu por volta de 623 ou 624 a.C. na antiga colônia grega de Mileto, região da Jônia (a Jônia era uma região situada no litoral da porção asiática das colônias gregas).

Tales de Mileto é apontado por muitos como o Pai da Ciência e da Filosofia Ocidental. Além desses títulos, ele é reconhecido como um dos “Sete Sábios da Grécia Antiga”, junto com Bias de Priene, Quílon de Esparta, Cleóbulo de Lindus, Periandro de Corinto, Pítaco de Mitilene e Sólon de Atenas.

Uma curiosidade é que, ainda que ele tenha o título de filósofo, ele não atribuiu a si o título. À época essa denominação sequer existia. Foi Pitágoras de Samos (570 a.C. – 490 a.C.) quem criou o termo, muitos anos depois. E foi o grego Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) quem atribuiu a Tales o título, afirmando que ele fora o primeiro filósofo da humanidade. Primeiro filósofo porque foi ele a primeira pessoa a questionar as estruturas do pensamento mitológico, tornando-se então o primeiro filósofo da tradição ocidental.

Em sua época, Tales fora um comerciante de sucesso. Por causa de sua atividade, teve contato com o Egito e a Babilônia, aprofundando seus conhecimentos e ao mesmo tempo disseminando-os, tornando-se assim um homem muito admirado. Na cidade de Mileto, foi fundador da Escola Jônica, considerada a mais antiga escola filosófica, onde seus pensadores buscavam explicações cosmológicas, ou seja, por meio da natureza através das observações. A Tales é atribuída:

– a formulação do Teorema de Tales, a partir da observação de pirâmides;
– a localização da constelação da Ursa Menor e consequente possibilidade de orientação de navegadores por essa constelação.

Cálculo da altura da pirâmide por Tales

Os fatos geométricos cujas demonstrações são atribuídas a Tales são:

– a semelhança dos triângulos e as relações sobre seus ângulos;
– as retas paralelas;
– e a propriedade das circunferências.

Considerado o “Pai da Geometria Descritiva”, Tales contribuiu para o avanço dos estudos de razão e proporção, que até os dias de hoje são utilizados para calcular distâncias.

No naturalismo esboçou o que podemos citar como os primeiros passos do pensamento teórico evolucionista: “O mundo evoluiu da água por processos naturais”, disse ele, aproximadamente 2460 anos antes de Charles Darwin.

A tendência do filósofo em buscar a verdade da vida na natureza o levou também a algumas experiências com magnetismo que naquele tempo só existiam como curiosa atração por objetos de ferro por um tipo de rocha meteórica achado na cidade de Magnésia, de onde o nome deriva.

Arché

Algo comum aos filósofos pré-socráticos era a busca pelo princípio de toda a natureza. Por buscar uma origem racional para o universo, foram chamados de cosmólogos. Assim, eram adeptos da chamada “Filosofia Unitarista”, que atribui o princípio de tudo (arché) a uma unidade. Para Pitágoras, por exemplo, essa unidade seriam os números. Heráclito dizia que eram as transformações a partir do fogo. Já para Tales, essa unidade era a água.

Tales encontrou na água essa substância de onde tudo se origina e para onde tudo retorna na sua existência passageira. Essa posição deve-se ao fato de Tales observar que os animais, as plantas etc., necessitam de água para sobreviver e se desenvolver. Além disso, o mundo até então conhecido também parecia estar “sobre a água”, rodeado e sustentado por ela. Segundo Tales, quando densa, a água transformaria-se em terra; quando aquecida, viraria vapor que, ao se resfriar, retornaria ao estado líquido, garantindo assim a continuidade do ciclo. Nesse eterno movimento, aos poucos novas formas de vida e evolução iriam se desenvolvendo, originando todas as coisas existentes.

Disso decorre que a alma, como vida, também era constituída de água e, assim sendo, “todas as coisas estariam cheias de deuses”. Dessa forma, pôde Tales declarar que a magnésia (ímã) atrai o ferro por também possuir uma alma.

Quanto à estética, dizia que a busca pelo conhecimento, era o objeto mais belo que podíamos ter.

Entre os principais discípulos de Tales de Mileto merecem destaque: Anaximandro de Mileto, para quem os mundos eram infinitos em sua perpétua inter-relação; e Anaxímenes de Mileto que afirmava que o “ar” era a substância primária.

As contribuições de Tales na área da astronomia partiram de muitas observações que realizava e, segundo relatos, previu um eclipse solar ocorrido no ano de 585 a.C. Mais sobre isso a seguir…

A Batalha do Hális

Talvez a mais famosa realização de Tales seja também a mais controversa. A Batalha de Hális, também chamada de Batalha do Eclipse, foi travada em 28 de maio de 585 a.C. entre medas e lídios, às margens do rio Halis (atual rio Quizil-Irmaque, na Turquia).

A batalha ocorreu no sexto ano de uma guerra indecisiva entre Alíates II, do Reino da Lídia, e Ciáxares, da Média, e terminou abruptamente devido a um eclipse solar total. O eclipse foi entendido como um aviso dos deuses, que desejavam que a luta se encerrasse. Este eclipse havia sido previsto por Tales.

O historiador grego Heródoto escreveu sobre esse feito, mais de um século depois. Ele descreve assim, o eclipse:

“ No sexto ano da guerra, travou-se uma batalha e, quando a luta tinha começado, de repente, o dia se transformou em noite. (…) O Lídios e o Medos, quando viram que a noite substituíra o dia, cessaram sua luta, ansiosos de que a paz se estabelecesse entre eles. ”

Heródoto (1.74)

Em face do fenômeno, os dois inimigos fecharam um acordo de paz, contrataram o casamento de Arienis, filha de Alíates, com Ciáxares, e aceitaram que o rio Hális seria a fronteira entre os dois reinos.

Alguns historiadores argumentam que o relato de Heródoto é impreciso e vago, mas a façanha de Tales parece ter sido amplamente conhecida e adotada como fato por vários escritores posteriores. Presumindo-se como verdadeira, é provável que Tales tenha descoberto o ciclo de 18 anos nos movimentos do Sol e da Lua, conhecido como Ciclo de Saros, usado depois por astrônomos gregos na previsão de eclipses.

Seus escritos

Dos escritos de Tales, nenhum deles sobreviveu até nossos dias. Suas ideias filosóficas são conhecidas graças aos trabalhos de doxógrafos como Diógenes Laércio e Simplício da Cilícia e de filósofos, principalmente Aristóteles.

Frases atribuídas a Tales de Mileto

A coisa mais difícil do mundo é conhecer a nós mesmos e a mais fácil, falar mal dos outros.
A água é o princípio de todas as coisas.
O ser mais antigo é Deus, porque não foi gerado.
Todas as coisas estão cheias de deuses.
A coisa mais bela é o mundo, porque é obra divina.
A esperança é o único bem comum a todos os homens; aqueles que nada mais têm ainda a possuem.


Referências:

Tales de Mileto. Toda Matéria

CABRAL, João Francisco Pereira. “Tales de Mileto”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/biografia/tales-de-mileto.htm. Acesso em 18 de agosto de 2019.

Tales de Mileto. YouTube

Mitologia – Uma das formas que o homem encontrou para explicar o mundo. Brasil Escola

O LIVRO DA CIÊNCIA, colaboradores Adam Hart-Davis… [et al.].; tradução Alice Klesck. – 2ª edição – São Paulo: Globo, 2016. p.20

Foto da imagem de destaque: Jongsun Lee em Unsplash

Gostou deste artigo?

Compartilhar no Facebook
Compartilhar no Twitter
Compartilhar no Pinterest
Compartilhar no WhatsApp